Alguns Comentários à Crítica que Wittgenstein fez a Freud

Esta apresentação tem como objetivo expor a crítica que Wittgenstein faz a Freud, mostrando que ela não está desvinculada de sua filosofia principal, a qual podemos descrever como uma crítica aos usos e abusos da linguagem. Trata-se de um empreendimento voltado a combater as confusões geradas por um mau entendimento da lógica da linguagem. Essa crítica não pretende invalidar toda a teoria freudiana; busca apenas expurgar um modo de pensar que acompanha certas explicações freudianas, as quais acabam conferindo um caráter mitológico às suas teorias.

Tanto Wittgenstein quanto Freud, autores marcados por seu tempo, enfrentavam uma batalha intensa contra os paradigmas científicos de sua época. Freud tentava mostrar que suas teorias psicanalíticas sobre o inconsciente, o desejo, o complexo de Édipo possuíam fundamento científico. Comparava suas descobertas às da física e buscava evidenciar que a racionalidade não é soberana, e que não somos senhores em nossa própria casa. Já Wittgenstein lutava contra os enfeitiçamentos da linguagem, aquelas proposições às quais nos apegamos como se fossem necessárias, quando na verdade poderiam ser diferentes. Ele denominou seu próprio método de “filosofia terapêutica”, por sua capacidade de desvelar os enganos produzidos no uso da linguagem.

Wittgenstein nasceu em Viena, na Áustria, em uma família da alta burguesia. Seu interesse pela filosofia surgiu a partir da matemática, encantando-se especialmente com os fundamentos filosóficos desta. Sua primeira obra, escrita durante a Primeira Guerra Mundial, foi o Tractatus Logico-Philosophicus. Nesse trabalho inicial, acreditava ter resolvido todos os problemas filosóficos, ao demonstrar que tais problemas eram resultado de uma má compreensão da estrutura lógica da linguagem. Para ele, essas questões não eram verdadeiras nem falsas, mas sem sentido. A filosofia, portanto, não deveria buscar respondê-las, mas elucidá-las. Esse era o papel da filosofia em seu primeiro momento: esclarecer as proposições.

No que se convencionou chamar de “segundo Wittgenstein”, especialmente a partir da obra Investigações Filosóficas, há uma mudança marcante. Ele abandona a ideia de uma teoria referencial da linguagem e adota um método que desloca a linguagem metafísica para o uso cotidiano. Introduz o conceito de “jogos de linguagem”, chamando atenção para os múltiplos contextos e formas com que usamos as palavras. Desde os primórdios de sua filosofia, Wittgenstein se preocupa com a responsabilidade do pensamento. Se antes o papel da filosofia era revelar a estrutura lógica, agora passa a ser descrever os usos diversos da linguagem. Já no prefácio das Investigações Filosóficas, afirma: “Não desejaria, com minha obra, poupar aos outros o trabalho de pensar, mas sim, se for possível, estimular alguém a pensar por si próprio”.

Esse parece ser o espírito central de sua filosofia: não retirar de ninguém a responsabilidade de pensar por si. Com relação a Freud, sua crítica se dirige a esse mesmo ponto. Wittgenstein combate uma forma de pensar que se fixa em regras generalizantes, como se sempre houvesse uma estrutura por trás dos sintomas, quando, na verdade, as coisas podem funcionar de maneira distinta.

Ele dá nome ao seu novo método: apresentação panorâmica. Tal método consiste em mostrar, como em um álbum, a variedade de usos da linguagem, revelando que estes não são neutros ou universais, mas inseridos em práticas culturais. O problema surge quando tomamos como regra necessária aquilo que deveria ser apenas uma contingência cultural. Associado a isso, Wittgenstein se utiliza do conceito de “gramática”, não no sentido gramatical comum, mas como a organização dos fatos empíricos dentro de um sistema arbitrário. A importância desse método é justamente mostrar que tais formas de pensar não são inevitáveis. Sua filosofia terapêutica busca deixar tudo como está, mas evidenciar as confusões conceituais que criamos ao falar.

Como ele diz:
“Uma das fontes principais da nossa falta de compreensão é que não vemos claramente o uso das nossas palavras. Falta à nossa gramática uma visão panorâmica. A apresentação panorâmica proporciona ao entendimento justamente o que consiste em ‘ver as conexões’. Daí a importância de encontrar e inventar elos intermediários.”

Assim, o método de Wittgenstein se torna terapêutico, pois aponta para nossas confusões conceituais e liberta o pensamento para os diversos jogos de linguagem. Em outra passagem, ele afirma:
“Gostaria de eliminar da linguagem filosófica aquelas proposições às quais voltamos insistentemente, como enfeitiçados.” (OC §31)

Ele chega a comparar seu método ao da psicanálise:
“Eu não estou lhe ensinando nada; estou tentando persuadi-lo a fazer algo. O que fazemos é muito mais parecido à psicanálise do que você poderia dar-se conta.” (Wittgenstein, 2000)

No entanto, para Wittgenstein, a persuasão freudiana repousa numa confusão entre causas e razões. Freud acredita estar oferecendo causas, quando, na verdade, está apenas fornecendo razões. Para Wittgenstein, dar causas é oferecer experimentos que explicam um fato de forma determinista. Dar razões, por outro lado, é apresentar justificativas possíveis para uma ação ou evento. A questão é que, no campo psicológico, não podemos esperar leis como as da física. O próprio objeto da psicanálise, a mente, escapa a esse tipo de dedução lógica.

Freud, segundo Wittgenstein, não prova que suas explicações são verdadeiras. Isso se deve ao fato de que, por lidar com a vida mental, há muitas explicações possíveis para um mesmo fenômeno. A validade das teorias psicanalíticas depende, portanto, da interpretação do paciente. Wittgenstein observa:

“Freud nunca mostra onde está a solução correta. Umas vezes, ele diz que a análise correta é aquela que satisfaz o paciente. Outras vezes, afirma que o doutor conhece a análise correta do sonho, ao passo que o paciente não o sabe.”

E como decidir esse lugar de saber? Em que momento Freud está oferecendo razões, e quando está apresentando causas? Essa é uma questão complexa, e talvez sem resolução clara. Para Wittgenstein, o problema não é que a psicanálise não funcione, mas que seu sucesso não decorre da maneira que Freud imaginava. Ela talvez devesse ocupar outro lugar: menos científico, mais interpretativo, mais cultural.

Wittgenstein critica ainda a crença de que haveria leis universais para o mundo mental. Para ele, a psicologia e a psicanálise incorrem no erro de tomar o modelo da física como ideal de ciência. O problema, então, não está apenas em Freud, mas na própria tentativa de transformar experiências humanas em regras fixas. A teoria dos sonhos, por exemplo, seria, para Wittgenstein, uma nova mitologia. Ele afirma:

“O que Freud fez foi propor um novo mito. Por exemplo, a ideia de que toda ansiedade é uma repetição do trauma do nascimento é apenas o apelo de uma mitologia.”

Essa narrativa ajuda a viver, como qualquer mito, mas não é uma verdade científica. A crítica de Wittgenstein, portanto, não está em negar os efeitos da psicanálise, mas em expor os limites de suas pretensões de verdade.

Ao comparar os sonhos à linguagem, Wittgenstein observa que eles parecem pedir uma interpretação, mas talvez não contenham mensagem alguma. A questão não é que os sonhos não digam nada, mas sim que são condicionados pelo método interpretativo que usamos. Freud, ao afirmar que todo sonho realiza um desejo, impõe uma essência que Wittgenstein rejeita. Ele nota que Freud jamais apresenta sonhos sexualmente explícitos como exemplos, porque o desejo deve permanecer no campo do desejo, indefinido, não concluído. Para Wittgenstein, Freud estudou apenas um tipo de sonho e universalizou suas conclusões.

Por fim, Wittgenstein alerta que, embora possamos descobrir certas coisas sobre nós mesmos por meio da associação livre, isso não explica por que o sonho ocorreu. A análise pode, inclusive, causar danos se não mantivermos uma atitude crítica constante. Seus métodos, assim como os da filosofia, exigem responsabilidade com o pensamento e vigilância permanente sobre nossas próprias crenças.