Resenha da obra As ciências e as ciências, de Gilles-Gaston Granger
A obra resenhada é do filósofo francês Gilles-Gaston Granger, intitulada As ciências e as ciências, traduzida por Roberto Leal Ferreira, publicada originalmente em 1993 e lançada no Brasil em 1994 pela Editora Unesp: Fundação para o Desenvolvimento da Universidade Estadual Paulista.
O livro busca refletir sobre a posição que a ciência ocupa em nossas vidas e o que se costuma chamar de “conquista” da ciência. Ao final da obra, Granger se propõe a responder questões centrais: A ciência tem limites? Existem áreas que escapam ao seu alcance? Qual deve ser sua relação com outros campos do saber?
A obra está organizada em seis capítulos, cada um abordando uma dimensão essencial do fenômeno científico. A seguir, apresento um panorama de cada um deles.
Capítulo 1 – O desenvolvimento explosivo da ciência
Granger inicia destacando o crescimento exponencial da ciência e as implicações que isso gerou em uma época que ele denomina como “Idade da Ciência”. Embora existam veículos sérios de divulgação científica, ele alerta que esse avanço pode gerar expectativas irreais, levando à vulgarização da ciência — uma crença excessiva e desmedida em seu poder. Segundo o autor, como a ciência se propõe a ocupar toda a esfera do conhecimento, há o risco de se criar uma imagem onipresente da ciência, levando a promessas fantasiosas. Para Granger, o avanço científico é inevitável, e o problema não está no conhecimento em si, mas no uso que se faz dele. Por isso, defende a necessidade de reuniões entre instituições científicas para discutir questões éticas e promover reflexão crítica sobre os rumos do progresso científico.
Capítulo 2 – Técnica e ciência: distinções e convergências
Neste capítulo, o autor analisa a relação entre ciência e técnica, destacando como os avanços científicos já estão profundamente integrados ao meio técnico. Ele usa como exemplo o taylorismo, modelo de produção baseado na especialização das tarefas, que acabou sendo superado em eficiência pela automação. Isso revela uma mudança na relação entre o técnico e a máquina, que passa a ser mais informacional e regulada. Granger mostra que, nesse processo, a ciência torna-se fundamental para a operação e regulação do mundo técnico contemporâneo.
Capítulo 3 – Métodos científicos e linguagem
Granger discute os métodos científicos e enfatiza o papel da linguagem científica. Inspirando-se em Lavoisier, defende que não é possível aperfeiçoar a ciência sem também aperfeiçoar a linguagem. O exemplo apresentado é a padronização da nomenclatura química, fundamental para a clareza conceitual. No entanto, ele alerta contra reducionismos, como os dos nominalistas ou empiristas radicais, que veem a linguagem como um simples conjunto de símbolos formais, desconsiderando sua complexidade e papel ativo na produção do saber.
Capítulo 4 – Conhecimento empírico e conhecimento matemático
Aqui, o autor trata das diferentes formas de validação científica, especialmente a relação entre empiria e matemática. Aborda a teoria da refutabilidade (inspirada em Popper), segundo a qual uma teoria só é científica se puder ser refutada pela experiência. No entanto, destaca que a matemática trabalha com objetos virtuais, internos a um sistema, e não diretamente com a experiência. Assim, teorias matemáticas e probabilísticas enfrentam desafios semelhantes. A conclusão é que não se trata de rejeitar a lógica clássica, mas de reformular os quadros conceituais utilizados para descrever os objetos científicos.
Capítulo 5 – Os fatos humanos como problema científico
Neste ponto, Granger se dedica à questão dos fatos humanos e dos desafios que eles impõem à abordagem científica. A subjetividade, a singularidade e a complexidade dos comportamentos humanos não se enquadram facilmente nos moldes tradicionais da ciência, exigindo uma reflexão mais cuidadosa sobre os limites das metodologias aplicadas às ciências humanas.
Capítulo 6 – O que significa progresso científico?
No capítulo final, o autor discute se os avanços científicos são, de fato, sinônimo de progresso real. Ele questiona se todo avanço técnico ou teórico implica uma melhoria efetiva nas condições de vida ou na compreensão do mundo. Para Granger, a avaliação do progresso deve considerar a qualidade das transformações e suas implicações éticas e sociais, e não apenas o acúmulo de descobertas.
Conclusão
Granger retoma as questões levantadas no início da obra: devemos frear os avanços científicos? A ciência pode resolver os dilemas éticos? Para ele, a resposta é negativa em ambos os casos. O avanço é inevitável, mas o modo como o conhecimento é utilizado deve ser permanentemente avaliado. A ciência não tem como função resolver questões morais, mas sim esclarecê-las, contribuindo para a tomada de decisões conscientes. O erro, segundo o autor, está em converter diretamente o conhecimento positivo em ação moral, sem considerar a complexidade dos valores e das escolhas humanas.
