A Filosofia do Amanhã: qual o seu papel político?

Ao longo das últimas décadas, a Filosofia tem sido cada vez mais empurrada para as margens da vida social e política. Embora continue sendo produzida em centros acadêmicos e publicada em revistas especializadas, raramente transborda para o cotidiano das pessoas, tampouco influencia de forma perceptível os rumos das decisões públicas. Assistimos à sua lenta transformação em um saber autorreferente, voltado a alimentar o prestígio curricular e a vaidade intelectual, como se o fim do pensamento fosse o próprio texto. Mas quais são as implicações sociais dessa escolha? E qual seria a negligência dos próprios filósofos diante desse esvaziamento?

A Filosofia, em sua origem, não era um discurso encerrado em si mesmo, mas uma prática de vida. Como lembra Hannah Arendt, pensar é uma forma de agir politicamente, pois implica sair do automatismo das opiniões e inaugurar o espaço público do dissenso e do diálogo. No entanto, vivemos hoje um tempo em que o diálogo está em crise. A sociedade se fecha em bolhas de pensamento, a discordância se torna ofensiva, e os debates cedem lugar a certezas inquestionáveis. Justamente nesses momentos, o pensamento filosófico, que por natureza incomoda, problematiza e abre fendas é silenciado.

A Filosofia tem sido negligenciada, também, porque sua forma atual pouco se dispõe ao enfrentamento do real. Como Pierre Bourdieu analisou, o campo intelectual muitas vezes serve mais à reprodução de capitais simbólicos do que à transformação social. Em vez de agir como ponte entre saber e mundo, a Filosofia se recolhe à torre de marfim. Essa prática cria uma cisão grave: enquanto outras ciências se tornam aplicáveis, com efeitos mensuráveis, a Filosofia é vista como abstrata, improdutiva e até inútil: um luxo do pensamento.

Mas não é a ausência de filósofos vivos que nos leva a essa situação. Pelo contrário: temos pensadoras e pensadores como Judith Butler, Angela Davis, Cornelius Castoriadis, Silvia Federici, Jacques Rancière, Byung-Chul Han, entre tantos outros, cujas obras propõem intervenções poderosas sobre corpo, linguagem, trabalho, poder, subjetividade e democracia. O problema é que esses saberes não circulam. Nem pela academia, que muitas vezes os ignora por não se encaixarem no cânone, nem pela sociedade, que foi treinada a buscar respostas rápidas, descartáveis e utilitárias. Como aponta Zygmunt Bauman, vivemos uma modernidade líquida, onde tudo o que exige tempo e profundidade é descartado como inútil.

A Filosofia não traz respostas prontas. Ela nos oferece perguntas difíceis, zonas de tensão, experiências de suspensão. Isso é, ao mesmo tempo, sua maior beleza e seu desafio político. Recuperar a dimensão pública da Filosofia não é instrumentalizá-la, mas reaproximá-la da vida. Como prática de liberdade, ela só cumpre seu papel quando é capaz de interferir no mundo, gerar escuta, produzir deslocamentos. E talvez esse seja seu maior gesto político hoje: criar espaços onde ainda se possa pensar juntos.

Nietzsche já havia alertado para os riscos de uma vida guiada por verdades herdadas, sem questionamento. Em sua crítica à moral tradicional, ele denunciava a fixação em valores pré-estabelecidos como uma forma de empobrecimento da vida, uma recusa à criação de si. Segundo ele, “as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras” justamente porque se tornam verdades fossilizadas, que não passam mais pelo crivo do pensamento vivo. Seu convite era radical: sermos filósofos do amanhã, capazes de criar valores a partir de uma relação singular e afirmativa com a existência. E talvez esse futuro só possa ser construído se a Filosofia deixar de ser apenas contemplação e se tornar também um gesto de responsabilidade com o social: com a escuta, o dissenso, o sensível. Uma filosofia do amanhã deve reaprender a caminhar entre as pessoas.